terça-feira, 29 de março de 2011
Bluetooth ligado
Ê São Paulo... Cidade do caos, praticamente intransitável. Metrópole dos trabalhadores revoltados com o transporte público. Eu já fui uma dessas pessoas. Não é fácil levantar cedo,
pegar um ônibus lotado e levar duas horas naquele formigueiro em transe, amassada, de pé, com três bolsas no ombro e se esquivando dos homens desprovidos de respeito. Pois é, sofri com isso durante anos, até adquirir uma mania. Tudo começou durante uma manhã nublada e horrorosa.
Atrasada novamente. Saco. Desço as escadas. São quarenta degraus, no trigésimo oitavo lembro que esqueci minha chave. Novidade! Faço isso há quatro anos, desde que comecei a trabalhar. Abro meu guarda-chuva de cinco reais e enfrento a garoa fina. Lá vem o Largo São Francisco. O motorista só não passou reto porque sou uma mulher maquiada e dou o sinal com uma das mãos na cintura. Lotado, eu sabia... Algum lugar? Nenhum lugar. Fui passando por aquele monte de gente: “Licença”, “com licença?”, “Por favor, deixa eu só passar prá, ai... desculpe.”, “Só um pouquinho pra direita. Isso, obrigada”. Ufa! Saio da sanfona. Olho para os bancos ocupadíssimos e tento adivinhar, pelas carinhas, quem vai descer primeiro e me dar o lugar. É uma análise bem profissional, baseada em hipóteses: A senhora com a sacola do “Torra torra” provavelmente só salta no ponto final; o casal de namorados, encostados um no outro embalados pelo sono dos apaixonados, ih... Não descerão tão cedo. Duas amigas conversando sem parar: nem tudo está perdido. Posiciono-me estrategicamente próxima ao banco das meninas.
_ Ele me traiu, eu tenho certeza.
Meu Bluetooth foi acionado. A menina que falou da traição era bonita, nova. Cabelos enrolados e longos. Estava com uma maquiagem azul calcinha e uma roupa bem justa e curta. A que estava do lado, feiosa. Sem maquiagem e uma olheira arrasadora. Estava com uma cara de quem já escutava aquela história pela quinta vez.
_ Você tem certeza disso, Cá? (Cátia, Carina, Catarina, Camila... ela tinha mais cara de Cátia ) Porque até ontem você botava a mão no fogo por ele...
_ Claro que tenho. Homem não presta. Aquele cafajeste vai pagar pelo chifre. Não vai ficá assim não, viu Paloma?!! (Ai!!! Que decepção!! Eu tinha certeza que o nome da feiosa era Ana) E eu lá sou muiê de levar disaforo pra casa??
A história era quente. O cara deveria namorar a anos com a tal Cá de Cátia e, de repente, um chifre. O pior de tudo, a menina era barraqueira. Coloquei a bolsa entre minhas pernas.
_ Deixa eu te contar, a cachorra foi na loja. Isso mesmo. Teve a cara de pau de aparecer no meu serviço. Veio com uma conversa de que era bom eu saber logo e já foi contando que o caso com ele já durava cinco meses.
É... Cinco meses é um tempo razoável. O cara, provavelmente é experiente na arte de saltar a cerca.
_ E aí o que você disse?
_ De primeiro momento eu não acreditei. Só que a cachorra foi falando tudo sobre o infeliz. Até a pinta que ele tem na (Nesse momento a Cá cochichou no ouvido da Paloma e eu não consegui escutar. Mas imaginei ser algum lugar bem íntimo, tipo a virilha).
_ Ahh!! Você tá me zuando? E você?
_ Ih, minha filha! Virei no giraia! Já chamei a menina no canto da loja e fui pra meter a mão na cara dela.
Eu estava paralisada. Completamente penetrada nos rumos que a história poderia seguir.
_ E meteu?
_ Não, o Cláudio chegou bem na hora.
Foi mais forte que eu, aconteceu que nessa hora, eu não segurei e soltei:
_ E quem é Cláudio?
As duas olharam para minha cara e eu me dei conta da burrada que tinha feito. Uma desconhecida escutando toda a conversa. Eu estava rocha de vergonha, no mínimo a barraqueira iria soltar: “E o que te interessa?” Bom já estava preparada para o fora.
_ Quer que eu segure? (A Cá perguntou)
_ Ahn? O quê?
_ A sua bolsa. Quer que eu segure sua bolsa?
Ufa...
_Ah, claro. Obrigada.
_ Então, (dirigindo-se a mim) Claudio é o gerente da loja. Eu pego ele de vez em quando. Quando ele viu a baixaria foi logo me segurar. Ele sabe o quanto eu bato forte. (deu uma risada bem esquisita).
_ Ai Cá meu ponto!!! O Shopping tá logo ali. Vou indo depois você continua.
A Paloma desceu e o lugar do lado da Cá ficou vazio.
_ Senta aí.
_ Você desce aonde? (Perguntei, na intenção de mudar o assunto)
_ Desço no ponto final. Trabalho na Sé. E você?
_ Eu também.
Depois desse dia, encontrei com a Cassandra umas duas ou três vezes lá na Sé. Da última vez ela me contou que ela e o Eduardo (o traidor que também é traído) estavam bem e planejavam o casamento para o final do ano.
Estou desempregada, mas quando me dá vontade vou até o ponto de ônibus e espero Largo São Francisco. Sempre lotado... De histórias.
Bluetooth ligado
Ê São Paulo... Cidade do caos, praticamente intransitável. Metrópole dos trabalhadores revoltados com o transporte público. Eu já fui uma dessas pessoas. Não é fácil levantar cedo, pegar um ônibus lotado e levar duas horas naquele formigueiro em transe, amassada, de pé, com três bolsas no ombro e se esquivando dos homens desprovidos de respeito. Pois é, sofri com isso durante anos, até adquirir uma mania. Tudo começou durante uma manhã nublada e horrorosa.
Atrasada novamente. Saco. Desço as escadas. São quarenta degraus, no trigésimo oitavo lembro que esqueci minha chave. Novidade! Faço isso há quatro anos, desde que comecei a trabalhar. Abro meu guarda-chuva de cinco reais e enfrento a garoa fina. Lá vem o Largo São Francisco. O motorista só não passou reto porque sou uma mulher maquiada e dou o sinal com uma das mãos na cintura. Lotado, eu sabia... Algum lugar? Nenhum lugar. Fui passando por aquele monte de gente: “Licença”, “com licença?”, “Por favor, deixa eu só passar prá, ai... desculpe.”, “Só um pouquinho pra direita. Isso, obrigada”. Ufa! Saio da sanfona. Olho para os bancos ocupadíssimos e tento adivinhar, pelas carinhas, quem vai descer primeiro e me dar o lugar. É uma análise bem profissional, baseada em hipóteses: A senhora com a sacola do “Torra torra” provavelmente só salta no ponto final; o casal de namorados, encostados um no outro embalados pelo sono dos apaixonados, ih... Não descerão tão cedo. Duas amigas conversando sem parar: nem tudo está perdido. Posiciono-me estrategicamente próxima ao banco das meninas.
_ Ele me traiu, eu tenho certeza.
Meu Bluetooth foi acionado. A menina que falou da traição era bonita, nova. Cabelos enrolados e longos. Estava com uma maquiagem azul calcinha e uma roupa bem justa e curta. A que estava do lado, feiosa. Sem maquiagem e uma olheira arrasadora. Estava com uma cara de quem já escutava aquela história pela quinta vez.
_ Você tem certeza disso, Cá? (Cátia, Carina, Catarina, Camila... ela tinha mais cara de Cátia ) Porque até ontem você botava a mão no fogo por ele...
_ Claro que tenho. Homem não presta. Aquele cafajeste vai pagar pelo chifre. Não vai ficá assim não, viu Paloma?!! (Ai!!! Que decepção!! Eu tinha certeza que o nome da feiosa era Ana) E eu lá sou muiê de levar disaforo pra casa??
A história era quente. O cara deveria namorar a anos com a tal Cá de Cátia e, de repente, um chifre. O pior de tudo, a menina era barraqueira. Coloquei a bolsa entre minhas pernas.
_ Deixa eu te contar, a cachorra foi na loja. Isso mesmo. Teve a cara de pau de aparecer no meu serviço. Veio com uma conversa de que era bom eu saber logo e já foi contando que o caso com ele já durava cinco meses.
É... Cinco meses é um tempo razoável. O cara, provavelmente é experiente na arte de saltar a cerca.
_ E aí o que você disse?
_ De primeiro momento eu não acreditei. Só que a cachorra foi falando tudo sobre o infeliz. Até a pinta que ele tem na (Nesse momento a Cá cochichou no ouvido da Paloma e eu não consegui escutar. Mas imaginei ser algum lugar bem íntimo, tipo a virilha).
_ Ahh!! Você tá me zuando? E você?
_ Ih, minha filha! Virei no giraia! Já chamei a menina no canto da loja e fui pra meter a mão na cara dela.
Eu estava paralisada. Completamente penetrada nos rumos que a história poderia seguir.
_ E meteu?
_ Não, o Cláudio chegou bem na hora.
Foi mais forte que eu, aconteceu que nessa hora, eu não segurei e soltei:
_ E quem é Cláudio?
As duas olharam para minha cara e eu me dei conta da burrada que tinha feito. Uma desconhecida escutando toda a conversa. Eu estava rocha de vergonha, no mínimo a barraqueira iria soltar: “E o que te interessa?” Bom já estava preparada para o fora.
_ Quer que eu segure? (A Cá perguntou)
_ Ahn? O quê?
_ A sua bolsa. Quer que eu segure sua bolsa?
Ufa...
_Ah, claro. Obrigada.
_ Então, (dirigindo-se a mim) Claudio é o gerente da loja. Eu pego ele de vez em quando. Quando ele viu a baixaria foi logo me segurar. Ele sabe o quanto eu bato forte. (deu uma risada bem esquisita).
_ Ai Cá meu ponto!!! O Shopping tá logo ali. Vou indo depois você continua.
A Paloma desceu e o lugar do lado da Cá ficou vazio.
_ Senta aí.
_ Você desce aonde? (Perguntei, na intenção de mudar o assunto)
_ Desço no ponto final. Trabalho na Sé. E você?
_ Eu também.
Depois desse dia, encontrei com a Cassandra umas duas ou três vezes lá na Sé. Da última vez ela me contou que ela e o Eduardo (o traidor que também é traído) estavam bem e planejavam o casamento para o final do ano.
Estou desempregada, mas quando me dá vontade vou até o ponto de ônibus e espero Largo São Francisco. Sempre lotado... De histórias.
Atrasada novamente. Saco. Desço as escadas. São quarenta degraus, no trigésimo oitavo lembro que esqueci minha chave. Novidade! Faço isso há quatro anos, desde que comecei a trabalhar. Abro meu guarda-chuva de cinco reais e enfrento a garoa fina. Lá vem o Largo São Francisco. O motorista só não passou reto porque sou uma mulher maquiada e dou o sinal com uma das mãos na cintura. Lotado, eu sabia... Algum lugar? Nenhum lugar. Fui passando por aquele monte de gente: “Licença”, “com licença?”, “Por favor, deixa eu só passar prá, ai... desculpe.”, “Só um pouquinho pra direita. Isso, obrigada”. Ufa! Saio da sanfona. Olho para os bancos ocupadíssimos e tento adivinhar, pelas carinhas, quem vai descer primeiro e me dar o lugar. É uma análise bem profissional, baseada em hipóteses: A senhora com a sacola do “Torra torra” provavelmente só salta no ponto final; o casal de namorados, encostados um no outro embalados pelo sono dos apaixonados, ih... Não descerão tão cedo. Duas amigas conversando sem parar: nem tudo está perdido. Posiciono-me estrategicamente próxima ao banco das meninas.
_ Ele me traiu, eu tenho certeza.
Meu Bluetooth foi acionado. A menina que falou da traição era bonita, nova. Cabelos enrolados e longos. Estava com uma maquiagem azul calcinha e uma roupa bem justa e curta. A que estava do lado, feiosa. Sem maquiagem e uma olheira arrasadora. Estava com uma cara de quem já escutava aquela história pela quinta vez.
_ Você tem certeza disso, Cá? (Cátia, Carina, Catarina, Camila... ela tinha mais cara de Cátia ) Porque até ontem você botava a mão no fogo por ele...
_ Claro que tenho. Homem não presta. Aquele cafajeste vai pagar pelo chifre. Não vai ficá assim não, viu Paloma?!! (Ai!!! Que decepção!! Eu tinha certeza que o nome da feiosa era Ana) E eu lá sou muiê de levar disaforo pra casa??
A história era quente. O cara deveria namorar a anos com a tal Cá de Cátia e, de repente, um chifre. O pior de tudo, a menina era barraqueira. Coloquei a bolsa entre minhas pernas.
_ Deixa eu te contar, a cachorra foi na loja. Isso mesmo. Teve a cara de pau de aparecer no meu serviço. Veio com uma conversa de que era bom eu saber logo e já foi contando que o caso com ele já durava cinco meses.
É... Cinco meses é um tempo razoável. O cara, provavelmente é experiente na arte de saltar a cerca.
_ E aí o que você disse?
_ De primeiro momento eu não acreditei. Só que a cachorra foi falando tudo sobre o infeliz. Até a pinta que ele tem na (Nesse momento a Cá cochichou no ouvido da Paloma e eu não consegui escutar. Mas imaginei ser algum lugar bem íntimo, tipo a virilha).
_ Ahh!! Você tá me zuando? E você?
_ Ih, minha filha! Virei no giraia! Já chamei a menina no canto da loja e fui pra meter a mão na cara dela.
Eu estava paralisada. Completamente penetrada nos rumos que a história poderia seguir.
_ E meteu?
_ Não, o Cláudio chegou bem na hora.
Foi mais forte que eu, aconteceu que nessa hora, eu não segurei e soltei:
_ E quem é Cláudio?
As duas olharam para minha cara e eu me dei conta da burrada que tinha feito. Uma desconhecida escutando toda a conversa. Eu estava rocha de vergonha, no mínimo a barraqueira iria soltar: “E o que te interessa?” Bom já estava preparada para o fora.
_ Quer que eu segure? (A Cá perguntou)
_ Ahn? O quê?
_ A sua bolsa. Quer que eu segure sua bolsa?
Ufa...
_Ah, claro. Obrigada.
_ Então, (dirigindo-se a mim) Claudio é o gerente da loja. Eu pego ele de vez em quando. Quando ele viu a baixaria foi logo me segurar. Ele sabe o quanto eu bato forte. (deu uma risada bem esquisita).
_ Ai Cá meu ponto!!! O Shopping tá logo ali. Vou indo depois você continua.
A Paloma desceu e o lugar do lado da Cá ficou vazio.
_ Senta aí.
_ Você desce aonde? (Perguntei, na intenção de mudar o assunto)
_ Desço no ponto final. Trabalho na Sé. E você?
_ Eu também.
Depois desse dia, encontrei com a Cassandra umas duas ou três vezes lá na Sé. Da última vez ela me contou que ela e o Eduardo (o traidor que também é traído) estavam bem e planejavam o casamento para o final do ano.
Estou desempregada, mas quando me dá vontade vou até o ponto de ônibus e espero Largo São Francisco. Sempre lotado... De histórias.
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